terça-feira, 11 de outubro de 2011

 

Violência no trânsito

Principal causa de acidentes, a imprudência no trânsito deixa marcas que se arrastam ao longo da vida.

Mariane Thamsten - O Globo Online.
Fábio Fernandes se tornou o primeiro piloto tetraplégico brasileiro de parapente / Foto: Arquivo pessoal
RIO - Ano após ano, a principal causa de acidentes de trânsito no estado do Rio só preocupa, mais e mais, a Polícia Rodoviária Federal, quem está à frente do volante e quem aguarda os filhos voltarem para casa depois de uma noitada. A imprudência dos motoristas é a grande responsável pelo aumento do número de vítimas nas estradas. Um balanço da Polícia Rodoviária Federal registrou, de 1º de janeiro a 13 de maio deste ano, 4.181 acidentes, que deixaram 1.443 feridos e 175 mortos. Foram 19 óbitos a mais do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando 156 pessoas morreram em 3.598 acidentes com 1.592 feridos. O feriadão de Corpus Christi, no dia 22, quinta-feira, deve aumentar a movimentação nas estradas. Para a PRF, a maior preocupação é reduzir o número de mortos nos 1.600 quilômetros de malha viária no estado.
" Se eu pudesse voltar atrás, certamente teria parado para dormir "


Lado a lado na estrada das estatísticas, caminham as histórias das pessoas vítimas de acidentes por imprudência ao volante. As marcas - físicas e psicológicas - arrastam-se ao longo da vida: não só do acidentado, mas também da família e de amigos. O estudante de Direito Fábio Fernandes, de 31 anos, ficou tetraplégico por sua própria inconseqüência, como reconhece, ao dormir ao volante em outubro de 1999, numa rua da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio ( assista ao vídeo em que ele fala do acidente e de como vem dando a volta por cima ).
- Sei que foi um ato ilícito meu. Se eu pudesse voltar atrás, certamente teria parado para dormir. Mas a gente sempre acha que pode seguir mais um pouquinho e chegar logo à casa - contou ele.
Para superar o trauma, Fábio contou com a fé e o apoio da família. Além dos tratamentos para não limitar ainda mais os movimentos do corpo, ele se lançou - de corpo e alma - aos esportes radicais, como parapente, pára-quedas, mergulho e até escalada. Fábio é o primeiro piloto tetraplégico brasileiro de parapente.
Fábio, hoje, é adepto dos esportes radicais / Foto: Divulgação
- A gente tem que se conscientizar do que fez e saber que existe vida após o acidente. Hoje, faço tudo o que fazia antes, só que com cadeira de rodas - contou ele.
Acidente no dia do aniversário
Laisa de Souza poderia ter perdido sua vida em 2001, quando voltava para casa, num táxi, no dia em que comemorava seus 27 anos. Ela foi atingida por um veículo que avançou o sinal na contramão, no Aterro do Flamengo. O motorista, segundo ela, era um estudante de Medicina, de 20 anos. Projetada para fora do veículo, Laisa sofreu fraturas nas pernas e nos braços e teve afundamento de face. Em sete anos, ela já passou por 15 cirurgias para reconstituir o rosto.
Laisa de Souza antes e depois do acidente / Foto: Arquivo pessoal
- Eu digo que perdi aquele rostinho que eu tanto gostava ali, no Aterro do Flamengo, no dia do meu aniversário. Levei um ano para ter coragem de me olhar de novo no espelho e encarar a realidade - lembra ela.
Se um dia foi muito vaidosa, hoje o rosto marcado pela violência no trânsito é que o menos importa para Laisa. O que ainda a assombra são as cicatrizes psicológicas.
- Claro que a parte física incomoda, mas é o que menos vale para a minha vida. O que marca mais é a parte psicológica. O susto do impacto e o barulho da sirene da ambulância vão ficar para sempre na minha memória - conta Laisa, que hoje se dedica a campanhas de educação no trânsito.
" Levei um ano para ter coragem de me olhar no espelho "

Aos 17 anos, Felipe Rodrigues sofreu um trauma quando voltava de férias, em Porto Seguro, na Bahia. Era janeiro de 2000 quando o ônibus em que estava se chocou contra um caminhão já no Rio de Janeiro, em Macaé, na Região dos Lagos. O então adolescente teve a medula lesionada na altura das vértebras torácicas T9 e T10, o que comprometeu os movimentos do umbigo para baixo.
- Me contaram que o ônibus desceu uma ribanceira após bater no caminhão. Eu estava dormindo com a cabeça encostada justamente no local da batida. Só acordei na ambulância, a caminho do hospital - disse ele, lembrando que um amigo que o acompanhava morreu anos depois, num acidente de trânsito. - Ele não foi naquele, mas não escapou do outro - lamenta ele, referindo-se à morte do amigo.
Sem querer tocar no assunto, hoje, aos 25 anos, Felipe afirma que não sente saudade das coisas que ficaram para trás. Segundo ele, a vida deve valer do presente para o futuro.
- Não fico pensando no que aconteceu. Além de não fazer bem à cabeça, o tempo não vai voltar. Não adianta se lamentar. É preciso viver daqui para a frente - garante o engenheiro, que faz fisioterapia, musculação e natação.
Um levantamento do Detran feito em todo o Estado do Rio mostra que, só no mês de janeiro, 202 pessoas morreram e quase três mil ficaram feridas em acidentes de trânsito. Ainda de acordo com o órgão, a maioria dos acidentes é causada pela imprudência dos motoristas.

Publicada em 16/05/2008 às 09h18m
Mariane Thamsten - O Globo Online

Um comentário: